PARENTALIDADE TERAPÊUTICA
1. Compreender
2. Respirar fundo
3. Comportamentos desafiantes
4. Comportamentos de risco
5. Brincadeira
6. Estratégias e ideias
Comportamentos desafiantes
Os comportamentos desafiantes fazem parte do crescimento, mas podem adquirir contornos especiais no caso das crianças adoptadas. Quando estas chegam à família depois de terem vivido numa casa de acolhimento durante algum tempo ou após uma primeira adopção, vão manifestar comportamentos de sobrevivência e testar a sua nova família.
É importante as crianças aprenderem que as suas estratégias de sobrevivência já não são necessárias e que podem ter confiança nos seus pais, mesmo quando fazem asneira.
Os comportamentos desafiantes podem ser encarados como uma oportunidade para os pais provarem que são consistentes e serenos, impondo limites sem se exaltarem.
É pouco importante saber se o comportamento se deve, ou não, ao facto de a criança ter sido adoptada. Como se explica no vídeo, a capacidade de os pais responderem de forma adequada protege as crianças.
Birras e os dois andares do cérebro
Investigações recentes permitiram aos especialistas perceber que o cérebro das crianças que foram negligenciadas ou sofreram maus-tratos tem alterações quando comparado com o de crianças que tiveram uma vida familiar estável.
Quando as crianças entram em «modo de fuga», é difícil fazer com que se acalmem. Nestes casos, gritar ou levantar a voz piora a situação, pelo que é necessário dar ferramentas às crianças para que estas consigam acalmar-se.
Em O Cérebro da Criança – 12 Estratégias para treinar o cérebro do seu filho/a, Daniel J. Siegel e Tina Payne Bryson descrevem o funcionamento dos dois hemisférios do cérebro. Como se sabe, o lado esquerdo e direito têm modos de funcionamento diferentes: o hemisfério esquerdo adora ordem e lógica, é linguístico e linear; o hemisfério direito, pelo contrário, «especializa-se em imagens, emoções e memórias pessoais». Nas crianças pequenas domina o hemisfério direito.
Os autores caracterizam o cérebro como sendo uma casa, com rés-do-chão e primeiro andar, no qual «o cérebro do andar de baixo inclui o tronco cerebral e o sistema límbico (localizados nas partes inferiores do cérebro), e é responsável por áreas consideradas mais primitivas (respirar e pestanejar), pelas reacções ou impulsos inatos (como o mecanismo de luta ou de fuga) e pelas emoções fortes como raiva e medo». Por sua vez, «o cérebro do andar de cima é mais evoluído e dá uma perspectiva global do mundo. (…) É onde acontecem processos mentais complexos, como pensar, imaginar e planear». O cérebro funciona melhor quando ambos os andares estão em harmonia e trabalham como uma equipa.
DOIS TIPOS MUITO DIFERENTES DE BIRRAS
Segundo Siegel e Bryson, novos conhecimentos sobre o cérebro revelam-nos particularidades interessantes sobre as birras.
«Uma birra do andar de cima ocorre quando a criança decide fazer um escândalo. Escolhe conscientemente fazer birra para levar toda a gente ao limite e irritar até conseguir o que quer. Apesar das súplicas dramáticas e aparentemente sentidas, se a criança quisesse poderia parar a birra num instante. A criança consegue controlar as emoções e o corpo, ser racional e tomar boas decisões. Os pais que reconhecem uma birra do andar de cima só podem reagir de uma forma: nunca negociar. Uma birra deste tipo pede a imposição de limites rígidos e uma conversa franca sobre comportamento inadequado. Pode explicar: “Sei que queres muito aqueles sapatos, mas não gosto do teu comportamento. Se não parares com isto agora, não tos compro e não te deixo ir brincar a casa da tua amiguinha mais tarde, porque estás a mostrar-me que não te sabes portar bem”.»
«Uma birra do andar de baixo é completamente diferente. Neste caso, a criança fica completamente diferente, fica tão perturbada que não consegue usar o cérebro do andar de cima. Neste caso as partes mais baixas do seu cérebro – sobretudo a amígdala –, assumem o comando e sequestram o cérebro do andar de cima. As hormonas de stress que invadem o seu pequeno corpo levam a que nenhuma parte do cérebro do andar de cima funcione em pleno. Em resultado disso, a criança é literalmente incapaz – pelo menos no momento presente – de controlar o corpo ou as emoções e de usar todas as competências de pensamento organizado, como reflectir sobre as consequências dos seus actos, resolver problemas ou pensar nos sentimentos dos outros. Quando o seu filho/a está neste estado de desintegração e começa uma grande birra, é necessário ter uma reacção muito diferente. A resposta adequada para uma birra do andar de baixo deve ser baseada em mimos e consolo. O educador tem de se ligar/aproximar da criança e ajudar a acalmá-la». [Texto adaptado com supressões]
Neste livro, e noutro publicado na mesma colecção, chamado Disciplina sem Dramas, os autores dão aos pais técnicas que lhes permitem redireccionar a atenção das crianças e treinar o desenvolvimento da «escadaria da mente» e aprender a desenvolver as vias neuronais.
Poderá aprender técnicas simples, como estas:
• Quando a criança se sente frustrada porque não consegue aprender algo e vai começar a entrar em modo de fuga, pode perguntar-lhe se não cheira a queimado (coloca assim em acção outra área do cérebro), o que permite evitar o desenvolvimento da birra. Depois disso, pode redireccionar a sua atenção novamente para o problema em questão.
• Experimente, quando a criança começa a fazer uma birra, pedir-lhe para ir a correr ao quarto buscar algo. Correr desactiva o cérebro do andar de baixo e verá como a criança regressa bem mais calma.
(Vídeo do Karyn Purvis Institute of Child Development, com legendas em Português)
Bater
A leitura das secções Trauma e Negligência ajuda a contextualizar e compreender melhor alguns comportamentos das crianças. Como noutros casos, não são só as crianças adoptadas que batem, contudo, estas por vezes fazem-no numa altura em que as outras crianças já aprenderam a lidar melhor com as suas emoções, o que pode causar problemas na escola ou em casa.
Não se pode autorizar ou ignorar um comportamento como bater, devendo reagir-se de forma firme, mas sem se fazerem grandes sermões ou agir de modo punitivo.
As famílias adoptivas que nunca batem nas suas crianças podem enunciar de forma muito clara a regra: «Não se bate».
Alguns pais optam por assustar a criança, ameaçando-a ou batendo-lhe, mas isto deve ser evitado a todo o custo. A reacção dos pais pode resultar a curto prazo, mas não resolve o problema (lembrem-se de que a criança bate porque não sabe lidar bem com as suas emoções), podendo adiar a vinculação ou levar a problemas mais sérios na adolescência.
Os pais devem tentar perceber em que ocasiões apresenta a criança o comportamento de bater, procurando lidar com aquilo que se encontra na origem do comportamento (medo de ser gozado, reacção de zanga perante outros acontecimentos). Assim que se perceber qual o gatilho, pode começar-se a resolver o problema com tranquilidade.
Os pais devem também lembrar-se de que as crianças, quando chegam, podem ter acumulada zanga, raiva, sensações de tristeza e luto. A sua tarefa é a de as ajudarem a lidar melhor com essas emoções. Entre os conselhos de pais que lidaram com esta dificuldade de forma calma e paciente encontra-se:
- Repetir, repetir, repetir de forma calma e tranquila: «Não se bate»;
- Conversar longe do momento e elogiar quando a criança consegue resolver um problema sem bater;
- Treinar outras formas de resolução de problemas (bater na almofada, ir correr, usar uma bola de stress, entre tantas outras possibilidades) quando a criança está bem-disposta, para que as aprenda a usar quando delas precisa.
Tirar coisas
Todas as crianças, quer sejam adoptadas ou não, tiram coisas e fazem trocas a partir de certa altura. Como Brazelton afirma em Touchpoints – Three to Six:
«Dar azo ao desejo de transgredir traz consigo um conjunto de sentimentos de culpa. O apoio dos pais, impondo limites firmes, ajuda a criança a encarar a realidade e a aprender a lidar com os seus impulsos. Saber o que é tolerado e o que não é torna-se uma fonte de segurança para a criança. Fiquei sempre impressionado com o alívio no rosto de uma criança quando os pais dizem: “Não podes simplesmente fazer isso. Não vou deixar”
Contudo, perante alguns comportamentos os pais podem ficar assustados e imobilizados. Podem reagir exageradamente levando a criança de cinco anos a ter medo de partilhar as suas razões. Ou podem evitar a responsabilidade de estabelecer limites ao comportamento. Este último recurso deixa a criança ansiosa, consciente da sua própria incapacidade de controlar comportamentos inadequados.
Os pais podem dizer: “Quero compreender o que te fez sentir que precisavas de fazer isso, mas não posso deixar-te fazê-lo. Se conseguirmos conversar, podemos encontrar maneiras de te ajudar a controlar-te.” Com essa abordagem, os pais não precisam de ter medo de reforçar o comportamento».
É muito comum as crianças adoptadas tirarem coisas a outras, ou porque não as tiveram ou porque gostariam de as ter. Por vezes, isto revela o seu instinto de sobrevivência ou a sua necessidade de tomarem conta de si.
Não vale a pena pensar que a criança não vai aprender ou que não sente culpa ou responsabilidade (mesmo que não o pareça). O truque será repetir com firmeza que não se podem trazer coisas de outras pessoas e conversar com a criança para perceber o que a motiva, levando-a a acreditar que os pais podem suprir as suas necessidades.
Mentir
Existem muitos motivos pelos quais uma criança pode não dizer a verdade e talvez o ideal seja começar por lhe perguntar, sem um ar castigador, o que a leva a mentir. Todas as crianças (adoptadas ou não) experimentam mentir, por isso é necessário que, quando se apercebe de que o seu filho/a mentiu, não se sinta aflito e comece logo a pensar que isso é sinal de que a criança tem uma patologia grave ou de que vai mentir para sempre. Encare a mentira como mais uma fase, redireccione a criança e não dê demasiada importância à ideia de mentira, ao mesmo tempo que procura reforçar a confiança que a criança sente em si para lhe contar quando faz uma asneira.
Note que é natural que crianças que sofreram um trauma ou negligência tenham lapsos de memória e efabulem (ler as fichas de apoio da secção Saúde), o que pode ser mal interpretado. Motivos possíveis são:
- Lapsos reais de memória;
- Querer impressionar os amigos ou os pais;
- Tentar agradar (ou testar) ou pais;
- Ter medo das consequências se disserem a verdade;
- Evitar um castigo;
- Chamar a atenção;
- Evitar algo que não querem (ir à escola);
- Testar os adultos e ver se caem na mentira.
Controlo e manipulação
Quase todas as crianças que foram adoptadas têm uma necessidade enorme de controlo. Não é muito difícil perceber porquê, basta pensar no número de decisões sobre as suas vidas que foram tomadas sem que as crianças as desejassem ou compreendessem.
Aquando da chegada a casa dos seus novos pais é natural que estas tentem controlar pequenas decisões: onde se sentam à mesa, o que vestem, o que comem, etc. A vida dos pais corre melhor quando estes conseguem devolver algum controlo às crianças, deixando-as escolher pequenas coisas ao longo do dia. Isso ajudá-los-á a conseguir impor melhor as regras familiares.
Uma das coisas que preocupa muitas vezes os pais adoptivos é a capacidade que algumas crianças têm para manipularem aqueles que se encontram à sua volta. Também isto não é estranho, as crianças em casas de acolhimento precisaram de se adaptar a cuidadores diferentes, que por vezes manipularam para conseguir aquilo que desejavam. Quando as crianças se sentem seguras estes comportamentos de sobrevivência vão sendo trocados por outros mais saudáveis.
Cabe aos pais serem firmes, mas não autoritários, darem algum controlo às crianças, e mostrarem-lhes que não existe nada a ganhar com comportamentos manipulatórios, mostrando que se pedirem e usarem as palavras a vida lhes corre melhor.
Estratégias para lidar com os comportamentos de sobrevivência:
Porque muitas, senão todas, as crianças adoptadas tiverem vivências traumáticas, de negligência ou abuso, os requisitos da parentalidade adoptiva são diferentes. Os pais devem procurar ser calmos e desenvolver aquilo a que se tem chamado de parentalidade terapêutica, ou seja, a capacidade de responderem aos comportamentos das crianças sendo figuras protectoras, compreensivas e pacientes perante as suas dificuldades.
OS PAIS PODEM:
- Interagir com a criança baseando-se nas suas necessidades de desenvolvimento e não na sua idade cronológica (Ler Criança Puzzle);
- Saber que a criança está a fazer o melhor que sabe;
- Saber que o tempo é um factor importante, não há mudanças rápidas de comportamentos;
- Ser firmes e consistentes, mas não autoritários, a lidar com os comportamentos desafiantes.
- Ler os comportamentos desafiantes à luz da necessidade de trocar «estratégias de sobrevivência» por «estratégias saudáveis»;
- Distinguir o comportamento (de que não gosta) da criança (de quem gosta muito);
- Recompensar e elogiar o bom comportamento;
- Dizer simplesmente a uma criança que não pode mentir ou tirar coisas a outros não corrige, por si só, o comportamento. É preciso repetir e ensinar comportamentos que substituam estes, como o re-fazer, treinar «pedir antes de tirar», ensinar a devolver;
- Ser firme e enunciar as regras sem grandes sermões (não trazemos para casa coisas que não são nossas);
- Não fazer perguntas às quais sabe que a criança vai mentir. Por exemplo, em vez de «Fizeste o trabalho de casa?» pergunte «Será que podemos fazer agora o trabalho de casa?», dando assim oportunidade à criança de dizer a verdade;
- Tentar perceber o que se encontra na origem do comportamento.
FICHAS DE APOIO
Ser pai ou mãe da criança que foi adoptada e se encontra em idade pré-escolar, Child Welfare Information Gateway.
Ser pai ou mãe de uma criança que foi adoptada e se encontra em idade escolar, Child Welfare Information Gateway.
Ser pai ou mãe do adolescente que foi adoptado, Child Welfare Information Gateway.
OUTROS SITES
Parentalidade positiva, Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens.
Dicas Adélia, Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens.
Escola Saudavelmente, Ordem dos Psicólogos.
FICHAS DE APOIO NOUTRAS LÍNGUAS
Parenting After Trauma, Understanding your Child’s Needs, American Academy of Pediatrics
Parenting a child or youth who has been sexually abused: A guide for foster and adoptive parents. Child Welfare Information Gateway.
Parenting Children and Youth Who Have Experienced Abuse or Neglect, site Child Welfare Information Gateway.
RECURSOS EM PORTUGUÊS
Daniel J. Siegel e Tina Payne Bryson, O Cérebro da Criança – 12 Estratégias para treinar o cérebro do seu filho/a.
RECURSOS NOUTRAS LÍNGUAS
Karyn Purvis, em The Connected Child. NY: McGraw-Hill Education, 2007.