EM CASA
1. Chegada da criança
2. Plano
3. Casulo
4. As primeiras semanas
5. Retrocessos
6. Não és meu pai/mãe
7. Férias
8. Encontros com a família de origem
As primeiras semanas
Deve lembrar-se de que tudo nas primeiras semanas é estranho para a criança: uma nova casa, novos pais, animais de estimação, um quarto só para ela, comida nova, uma nova escola, entre tantas outras coisas. A família de acolhimento precisa de estabelecer rapidamente uma rotina à qual muito provavelmente não estava habituada: cozinhar, lavar mais roupa, tentar apaziguar a criança e compreendê-la melhor. As primeiras semanas nunca serão fáceis, mas poderão ser menos difíceis se se fizer o seguinte:
SALVAGUARDAR O QUE É FAMILIAR
Procure evitar a tentação de transformar a criança, mudando a roupa, cortando-lhe o cabelo, entre outras coisas. É importante que a criança se sinta em casa, e para isso quanto mais familiares forem o ambiente e a rotina e puder preservar as suas coisas, melhor será.
Não estranhe se a criança mexer em tudo o que tem em casa. É uma maneira de esta se situar no espaço e o compreender melhor. Esteja, contudo, preparado para lhe explicar com calma algumas regras de convivência (e para as repetir tranquilamente o número de vezes que for necessário. E, acredite, vão ser algumas).
COMIDA
No que diz respeito à alimentação, há uma regra simples de que se deve lembrar: não se esqueça de, de duas em duas horas, dar comida e água à criança, independentemente da sua idade. Muitas vezes, os cuidadores de crianças mais velhas esperam que estas se lembrem de que têm sede ou fome e não associam imediatamente a rabugice que começa a surgir a estas necessidades. Ir comendo com regularidade ajuda a estabilizar os níveis de açúcar no corpo e a água previne a desidratação. Nas primeiras semanas de acolhimento, esta rotina é particularmente importante, pois algumas crianças não têm a certeza de poder confiar nos cuidadores para suprirem estas necessidades básicas.
AVISAR ANTES E OFERECER ESCOLHAS
Descobrirá rapidamente que a vida de toda a família é mais fácil quando se vai avisando a criança do que esta terá de fazer a seguir (“Podes brincar mais quinze minutos e depois vamos para casa, combinado?”, “Já passaram cinco minutos, tens mais dez e depois vamos para casa, sim?”, etc.). Também ajuda apresentar escolhas, o que leva à diminuição das lutas por controlo e dá autonomia à criança. Por exemplo, perguntar à criança se esta prefere arrumar primeiro o quarto ou ir tomar banho pode ajudá-la a prever as tarefas e, apesar de perceber que terá de fazer as duas, isso ajudá-la-á a saber que pode decidir.
DESIMPORTANTIZAR
As primeiras semanas ou meses não são fáceis e exigem a todos os membros da casa que se ajustem à nova realidade. A vida é mais fácil se todos tiverem expectativas mais baixas: por exemplo, um dia que corre bem é aquele em que a criança conseguiu comer um bocadinho, dormir um bocadinho, brincar um bocadinho, etc. Não vale a pena comparar a criança com outras que conhece, com os filho/as dos seus amigos ou sobrinhos, e esperar o mesmo tipo de comportamentos. Estão a conhecer-se e isso vai levar tempo. Todos farão coisas de que uns ou outros não gostam, pelo que é importante lembrarem-se de ter paciência e reflectirem sobre como fazer melhor no dia seguinte.
FOTOGRAFIAS DA CRIANÇA
Coloque fotografias da criança em casa para que esta as possa ver quando chegar. Deixe um espaço para fotografias que a criança tenha dos seus pais, para lhe mostrar que estes são bem-vindos. À medida que forem fazendo memórias, vá tirando fotografias, imprima-as e acrescente-as ao álbum, coloque-as no frigorífico ou emoldure-as. O objectivo é a criança sentir que a casa lhe pertence.
ROTINA
Manter a rotina que a criança tinha na casa de acolhimento residencial ou na família de origem ajuda a facilitar a transição e a diminuir o stress. É igualmente importante que se comecem a criar as rotinas de casa e que estas se mantenham. Se a criança souber o que esperar, terá bem menos nervosismo e medo do desconhecido.
Pode ajudar fazer um calendário com o que acontece em cada dia, para que a criança saiba o que pode esperar desde que acorda até se deitar. Existem calendários com íman que se podem colocar no frigorífico e para onde a criança pode olhar sempre que precisar de se situar, percebendo melhor a rotina das semanas e o que acontece ao fim de semana. Estabelecer rotinas também ajuda, a longo prazo, a facilitar a transição entre actividades (vai descobrir que estas transições não são fáceis de gerir), como ir para a cama ou para o jardim de infância. O facto de a criança conseguir prever o que vai acontecer também a ajuda a organizar-se mentalmente e a diminuir o medo da imprevisibilidade.
DETECTIVE
Já mencionámos isto antes, mas durante os primeiros tempos, e até conhecer plenamente a criança, terá de fazer um pouco de detective até perceber o que a desestabiliza ou deixa desconfortável. Muitas crianças têm aquilo a que se veio a chamar problemas ou dificuldades de integração sensorial (ler mais aqui) e, por vezes, os pediatras, por não serem especializados em acolhimento, podem não saber. Espreite a secção sobre dificuldades sensoriais e questões de saúde, pois verá que muitos dos exercícios e brincadeiras sugeridos podem ajudar a criança.
CONSIDERAR OS COMPORTAMENTOS DIFÍCEIS UMA OPORTUNIDADE
Os primeiros meses podem ser difíceis por uma variedade de razões, desde pesadelos a birras, dificuldades com comida (ou comendo demais ou de menos), bater, destruir coisas, etc. Quando estes comportamentos têm lugar é importante pensarem que a criança está a testar limites, a desafiar a família para provocar reacções e ver se será devolvida ou abandonada. É por este motivo que é bom quando os acolhedores são capazes de manter a calma, recusando comportamentos inadequados como birra, mas sem se exaltarem ou gritarem. Considere estes comportamentos uma oportunidade, se a criança acorda muitas vezes à noite pode aproveitar para a tranquilizar, o que ajudará a fortalecer o vínculo entre ambos. Como dissemos antes, não leve a peite, estes comportamentos fazem parte da normalidade adoptiva e diminuem com o tempo. (Leia mais aqui.)
Muitos cuidadores consideram que precisam de ser rígidos, que os primeiros meses são a sua oportunidade para educar bem a criança e estabelecer regras e limites. Gostaríamos de sugerir uma mudança de mentalidades e de aconselhar os pais no sentido de perceberem que as prioridades são: 1) conseguir provar à criança que são capazes de tomar conta das suas necessidades básicas, 2) criar a pouco e pouco memórias felizes em família.
BATALHAS DE CONTROLO
Uma das maiores dificuldades que a família de acolhimento enfrenta é a de se verem na posição de terem de responder a permanentes batalhas por controlo (durante as refeições, sobre o tempo de desenhos animados, trabalhos de casa, horário de dormir, entre tantas outras pequenas decisões que se podem tornar difíceis de gerir no dia a dia). Estas pequenas lutas não acontecem só com crianças em acolhimento, à medida que qualquer criança vai crescendo e deseja ser mais independente e tomar as suas decisões isto pode acontecer. Contudo, a família de acolhimento menciona com frequência como é difícil para uma criança em acolhimento aceitar o não.
Um dos melhores conselhos que os cuidadores podem receber é o de não entrarem em lutas desnecessárias e deixarem as crianças decidir pequenas coisas ao longo do dia, como que vestir, que quantidade de comida (ler alimentação) comer, etc. Muitas vezes, há técnicas simples que ajudam a evitar estas pequenas lutas:
- Preferes vestir o pijama azul ou o verde depois de tomares banho?
- De acompanhamento para o jantar queres arroz ou massa?
É, contudo, preciso que os cuidadores saibam que por muito que tentem e vão impondo limites, estas batalhas fazem e farão parte da sua vida durante algum tempo e que o melhor modo de lidar com elas não é sendo rígidos. Para uma criança em acolhimento, ouvir «não» confunde-se algumas vezes com «não gosto de ti» e por isso ajuda se os cuidadores forem pacientes e atenciosos, enquanto explicam que gostam muito da criança, mas que ela não pode fazer X por este motivo. As crianças precisam de limites e de firmeza, mas não precisam que lidem com elas com autoritarismo. Os acolhedores devem reforçar e relembrar ao longo dos dias as escolhas que deixam as crianças irem fazendo e ter paciência perante o desafio que terá muitas vezes lugar (e irá melhorando com o passar do tempo).
CAÇA AO TESOURO
Não se surpreenda se a criança abrir armários, gavetas e vasculhar tudo o que tem em casa. É o seu modo de conhecer o espaço novo para onde foi viver e de sentir que tem algum controlo sobre o que lhe aconteceu. Não se zangue, mostre-lhe o que ela quiser ver, fazendo-lhe sentir que a casa também é dela.
BRINQUEM
Brincar em conjunto é importante para todas as crianças e fundamental para as crianças em acolhimento, pois ajuda-as a criar e fortalecer a vinculação. Sempre que as coisas estão difíceis em casa, recomenda-se duplicar o tempo de brincadeira (dirigido pela criança) em conjunto. Leia mais sobre brincadeiras (aqui).
FAMÍLIA E AMIGOS
Compreensivelmente, a sua família e amigos quererão estar envolvidos desde o primeiro momento. Procure explicar-lhes como, para que a vinculação tenha lugar, é importante que os acolhedores passem os primeiros meses com a criança, sendo eles a alimentá-la e a cuidar das suas necessidades.
Isto não quer dizer, contudo, que a família e os amigos não vos possam ajudar. Pelo contrário, peçam-lhes que vos façam e levem comida, passando para a deixar, que vos comprem o que for necessário para a criança, no fundo, que vos libertem o mais possível para que tenham momentos agradáveis com a criança (ler mais aqui).
TOME CONTA DE SI
No momento em que a criança chega as necessidades dos cuidadores passam para último lugar, mas estes devem lembrar-se de que o primeiro ano de integração da criança em casa é longo e que precisam de estar bem e tranquilos para poderem criar um ambiente feliz em casa. Procurem dormir o suficiente, ter momentos para recuperarem forças e tirarem umas horas para sair de casa e fazerem algo de que gostam. Isso ajudar-vos-á a regressar a casa mais pacientes, o que é fundamental para o bem-estar de todos.