Compreender

 

A família de acolhimento descobre rapidamente que os modelos de educação tradicionais não funcionam bem com as crianças que sofreram negligência ou foram separadas das famílias, pois trazem ao de cima traumas e criam comportamentos bem mais difíceis de gerir, adiando o processo de vinculação. Por isso, respirem fundo, abandonem as estratégias conhecidas (ignorem quando alguns membros da família vos falam da parentalidade tradicional e dos seus supostos benefícios) e criem o vosso próprio modelo baseado no respeito pela criança, na consciência de que a relação entre todos se vai construindo lentamente.

Usem o sentido de humor, desdramatizem, e percebam que por trás de cada reação se encontra uma necessidade ou um desconforto que a criança tem e que por vezes não sabe explicar.

Não ignorem o poder que a brincadeira tem para construir ou reforçar o vínculo entre filho/as e cuidadores e procurem passar bons momentos em família. Construam boas memórias e divirtam-se, façam coisas de que gostem em conjunto, seja cozinhar, dar passeios ou construir rádios com circuitos elétricos. Verão que as crianças são esponjas dispostas a aproveitar tudo aquilo que os pais têm para lhes oferecer.

 

CONSELHOS:
  • Interaja com a criança baseando-se nas suas necessidades de desenvolvimento e não na sua idade cronológica.
  • Saiba que a criança está a fazer o melhor que sabe.
  • O tempo é um factor importante, não há mudanças rápidas de comportamentos.

 

Porque muitas, senão todas, as crianças em acolhimento sofreram trauma, negligência ou abuso, os requisitos da parentalidade são diferentes. Os cuidadores devem procurar ser calmos, tranquilos e desenvolver aquilo a que se tem chamado parentalidade terapêutica, ou seja, a capacidade de responderem aos comportamentos das crianças sendo figuras protectoras, compreensivas e pacientes perante as suas dificuldades. Nesta secção apresentamos uma série de sugestões, links para fichas com mais informação e artigos sobre a importância da brincadeira e do toque.

CONTEXTUALIZAR O COMPORTAMENTO

A justificar alguns dos comportamentos da sua criança encontra-se um conjunto de características que provavelmente já identificou e que são descritos em The Explosive Child, por Ross W. Greene:

  • Dificuldade em lidar com transições, ou seja, em passar de uma tarefa para a seguinte;
  • Dificuldade para fazer as coisas numa sequência lógica ou na ordem sugerida;
  • Má noção do tempo;
  • Dificuldade em reflectir sobre vários pensamentos ou ideias ao mesmo tempo;
  • Dificuldade em antecipar os resultados ou consequências das suas ações (impulsividade);
  • Dificuldade em pensar numa variedade de soluções para um problema;
  • Dificuldade em gerir frustração e a resposta emocional, pensando racionalmente (Ler birras);
  • Dificuldade em desviar-se das regras ou da rotina;
  • Dificuldade em interpretar com precisão sinais sociais;
  • Dificuldade em perceber como é lido por outros.

Como se explica em “Parenting a Child who has Experienced Trauma”: “Quando as crianças vivenciam trauma, particularmente se tiveram lugar vários acontecimentos traumáticos por um longo período de tempo, os seus corpos, cérebros e sistemas nervosos adaptam-se num esforço para os proteger. Isso pode dar origem a comportamentos como aumento da agressividade, desconfiança, desobedecer a adultos ou mesmo dissociação (sentir-se desligados da realidade). Quando as crianças estão em perigo, esses comportamentos podem ser importantes para a sua sobrevivência. No momento em que as crianças são transferidas para um ambiente mais seguro, os seus cérebros e corpos podem não reconhecer que o perigo já passou, dado que esses comportamentos ou hábitos de protecção cresceram com o uso frequente (assim como um músculo usado regularmente cresce mais e mais). Leva tempo para ajudar os “músculos da sobrevivência” a aprenderem que não são necessários na nova situação (a sua casa) e que podem relaxar.

Pode ser útil lembrar que o comportamento problemático do seu filho/a pode ser uma resposta aprendida ao stress – e que esta pode ter mantido o seu filho/a vivo em situações muito inseguras. Levará tempo e paciência para que o corpo e o cérebro do seu filho/a aprendam a responder de maneiras mais apropriadas ao seu ambiente atual e seguro”.

Traduzido com autorização. Ler original aqui.

 

SAIBA QUE:

“Se a criança veio de uma instituição ou de uma situação familiar abusiva ou negligente, pode não ter aprendido algumas coisas importantes, como a comunicar com outras pessoas ou a expressar os seus sentimentos de forma adequada. Brincar com outras crianças, aprender a falar à vez, a partilhar ou apenas a divertir-se pode ser uma experiência nova. Como resultado, o seu filho/a pode precisar de tempo para se conseguir aproximar de outras crianças da mesma faixa etária.

Pode ajudar o seu filho/a a superar esse desfasamento usando estratégias parentais baseadas no seu nível de desenvolvimento, e não na sua idade cronológica. Por exemplo, uma criança de 7 anos pode precisar da rotina de dormir de uma criança de 3 anos. Uma criança de 12 anos pode precisar de aprender a dar-se bem num grupo de dois ou três amigos antes de estar pronta para participar nas actividade de um grupo maior. Uma criança com algum atraso na socialização pode brincar melhor com crianças mais novas. Incentive isso (com supervisão).

Brincar com crianças pequenas dar-lhe-á uma sensação de confiança e ensinar-lhe-á empatia e sentido de entre-ajuda.

Permitir que o seu filho/a aprenda ao seu próprio ritmo é crucial. Embora as outras pessoas possam pensar que está a “amamentar” o seu filho/a mais velho, está simplesmente a ajudá-lo a aprender o que este perdeu. Algumas crianças mais velhas podem precisar de aprender as tarefas da mesma maneira do que uma criança mais nova. Assim, divida as tarefas em etapas pequenas e fáceis de gerir, para que o seu filho/a sinta uma sensação de sucesso e bem-estar.

Deixe que sejam os progressos do seu filho/a a guiá-lo até o próximo nível de desenvolvimento”.

Traduzido com autorização. Ler a ficha completa aqui.

AJUDAR A CRIANÇA

“Embora o trauma na infância possa ter efeitos sérios e duradouros, há esperança. Com a ajuda de adultos atenciosos e solidários, as crianças podem e recuperam-se. Considere os seguintes conselhos:

  • Identifique os gatilhos do trauma. Algo que está a fazer ou a dizer, ou algo inofensivo em sua casa, pode estar a desencadear a criança sem que se aperceba disso. É importante observar padrões de comportamento e reacções que parecem não se encaixar na situação. O que distrai a criança, a deixa ansiosa ou resulta numa birra ou explosão? Ajude a criança a evitar situações que desencadeiam memórias traumáticas, pelo menos até que a cura comece a ter lugar;
  • Esteja emocional e fisicamente disponível. Algumas crianças traumatizadas agem de maneiras que mantêm os adultos à distância (querendo-o ou não). Ofereça atenção, conforto e encorajamento de maneira que a criança os queira aceitar. As crianças mais novas podem querer abraços ou mimos extra; para os jovens mais velhos isso pode significar apenas passar tempo juntos como uma família. Siga o seu exemplo e seja paciente se as crianças parecerem carentes;
  • Responda, não reaja. As suas reacções podem desencadear uma criança ou um jovem que já se está a sentir sobrecarregado. (Algumas crianças ficam desconfortáveis quando se olha directamente para elas durante algum tempo) Quando a criança está aborrecida, faça o que puder para manter a calma: baixe a voz, reconheça os sentimentos dela, seja tranquilizador e honesto;
  • Evite punições físicas. Isso piora o stress e o pânico de uma criança abusada. Os pais precisam estabelecer de limites e expectativas razoáveis e consistentes e elogiar os comportamentos desejáveis;
  • Não leve os comportamentos a peito. Deixa que a criança sinta as várias emoções sem a julgar. Ajude-a a encontrar palavras e outras maneiras aceitáveis de expressar essas emoções e elogie-a quando estas forem usadas;
  • Ouça. Não evite tópicos difíceis ou conversas desconfortáveis. (Mas não force as crianças a falarem antes de estarem prontas.) Informe às crianças que é normal terem muitos sentimentos após uma experiência traumática. Leve as suas reações a sério, corrija qualquer informação incorrecta sobre o acontecimento traumático e assegure-lhes de que o que aconteceu não foi culpa delas;
  • Ajude a criança a aprender a relaxar. Incentive-a a treinar a respiração lenta, ouvir música calma ou a dizer coisas positivas (“Agora sinto-me segura”);
  • Seja consistente e previsível. Desenvolva uma rotina regular para refeições, hora de brincar e hora de dormir. Prepare a criança com antecedência para mudanças ou novas experiências;
  • Seja paciente. As pessoas curam-se de maneira diferentes do trauma, e a confiança não se desenvolve da noite para o dia. É importante respeitar o tempo de recuperação de cada criança;
  • Permita à criança ter algum controlo. Deixá-la fazer escolhas razoáveis e apropriadas à idade incentivam a sua sensação de ter controlo na sua própria vida;
  • Incentive a auto-estima. Experiências positivas podem ajudar as crianças a recuperarem-se de traumas e aumentar a resiliência. Exemplos incluem dominar uma nova capacidade; sentir um sentimento de pertença a uma comunidade, grupo ou causa; estabelecer e alcançar metas; e estar a serviço dos outros.

Traduzido com autorização. Ler original aqui.

O QUE PODE FAZER
  • Fornecer um ambiente seguro, rotinas e programas previsíveis;
  • Promover o tempo individual em família. Converse e brinque com a criança todos os dias, mesmo que apenas por alguns minutos;
  • Fazer contacto visual e sorria antes de falar com a criança;
  • Jogar jogos de tabuleiro ou encontre outras formas criativas (como a pintura de rosto) que o coloquem a olhar nos olhos da criança;
  • Oferecer palavras gentis de encorajamento e louvor o mais rápido possível. Coloque notas com mensagens gentis nas lancheiras e deixe pequenas surpresas para depois da escola;
  • Encontrar formas de desenvolvimento apropriadas para manter o contacto físico (abraços, pentear cabelos, amassar massa, abraçar enquanto vê televisão);
  • Falar positivamente sobre os pais biológicos e outros cuidadores do passado da criança, para que ela não sinta vergonha;
  • Fazer com que a criança se sinta valorizada;
  • Ser brincalhão e rir;
  • Nutrir, nutrir, nutrir! Não pode “estragar” uma criança com carinho e carinho.