Dormir

 

Se é verdade que nada é mais necessário que o sono, é igualmente verdade que «a hora de deitar» pode ser um momento de ansiedade para pais e filhos/as. Por um lado, porque existe um número de horas de sono que deve ser cumprido e mantido, e nem sempre é fácil adequar essa necessidade ao ritmo do dia-a-dia, onde falta sempre tempo. Por isso, «ir para a cama», ao invés de ser um momento que surge naturalmente como uma consequência lógica do cansaço, é muitas vezes um corte abrupto nas actividades diurnas. Por outro lado, a noite e o escuro que ela implica, aliado à solidão – o dormir sozinho –, é naturalmente fonte de receios e alimento para fantasias mais ou menos assustadoras.

É preciso lembrar a criança de que dormir é bom, que ajuda a criança a crescer e o seu cérebro a desenvolver-se. O período «antes de dormir» deve ser construído como espaço de reflexão, de partilha, de conversa, de desabafo e confissão.

E antes deste «antes», o ideal será abrandar o ritmo e fazer a despedida das actividades de que a criança gosta. Depois da escola, dos deveres, das actividades extracurriculares, do banho, do jantar, da partilha das tarefas, é necessário encontrar um espaço, sempre e infelizmente muito curto, para dar liberdade à criança para fazer ou não fazer nada, de acordo com a sua vontade. E, se a vontade for – como se adivinha – gastar as restantes energias em jogos ou corridas pela casa, é necessário começar a parar mais cedo, abandonando actividades físicas, jogos ou séries de aventuras que estimulem a produção de adrenalina. Ir parando – substituir a actividade pelo diálogo.

Certamente isto implica algum desgaste para os pais. A opção será «acelerar» um pouco a feitura do jantar e tentar deixar para depois do sono da criança o resto das tarefas. Parece fácil mas é claramente difícil, ou mesmo impossível. O objectivo será sempre estar realmente presente na hora do banho, nas brincadeiras, com a cabeça ali, e não a dividir estes curtíssimos momentos de alegria com os pensamentos sobre o que falta fazer, as tarefas do dia seguinte, as complicações do dia que passou. «Estar mesmo ali» é o melhor que a vida pode trazer…por isso é tão difícil.

Daí à cama, a transição será suave. Mais suave ainda se embalada pelas palavras de um livro.
Se, ainda assim, aparecerem os medos, as birras, as angústias, talvez seja possível recorrer a pequenos truques, encontrando formas de actualizar a ideia de espanta-espírito, esse objecto mágico que afasta os pesadelos e atrai energias positivas. No espanta-espíritos, encontram-se muitas pistas: a) a de utilizar um objecto para afastar os pesadelos (o sucedâneo será a construção de um borrifador de pesadelos); b) a de concentrar, num objecto, pequenos outros objectos importantes, com um significado especial, que conduzam a momentos felizes e espaços seguros (o sucedâneo pode ser eleger um boneco como guardião dos sonhos); c) a de utilizar as sonoridades como forma de induzir a tranquilidade (o mesmo que acontece nas canções de embalar).

É possível que estas estratégias resultem, ou resultem apenas temporariamente, ou não resultem. Mas aproveitar o «antes de dormir» para criar laços e confiança resulta certamente. Depois do livro, fique ali. Estabeleça contacto físico – com carícias ou apenas dando a mão. E converse – deixe a criança falar sobre coisas dispersas do seu dia, sobre os amigos, as dúvidas, os assuntos difíceis (como a perda, a morte). Como uma conversa implica sempre dois, desabafe também, deixe o seu filho/a saber dos seus problemas e frustrações, e também das suas esperanças, memórias e sonhos.

É possível que, às vezes, a conversa se alongue…as excepções farão a melhor das regras.
Esperemos que a criança adormeça. Talvez se demore uns minutos apenas a contemplá-la e, depois, apague a luz, ou deixe-a acesa, como presença.